terça-feira, 5 de julho de 2016

Especial Literatura : Machado de Assis


Um arquiteto de personalidades:
A obra de machado de Assis não nasceu pronta, isto é, seus primeiros escritos não têm a força e a beleza das obras produzidas mais tarde, depois de muito esforço e dedicação. Afinal, escrever é um ofício que não depende de inspiração, ou melhor, que dela depende só até certo ponto.

Seus primeiros livros foram seus primeiros passos literários. A transformação aconteceu por volta de 1881, quando Machado publicou o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas e os contos Papeis Avulsos. Mas transformação por quê?

Os romances e contos machadianos anteriores à década de 80 têm ainda algum parentesco com a literatura romântica, especialmente com os romances de José de Alencar, o autor de Senhora. São casos de amor contrariado, conflitos abafados pelas quatro paredes do lar, que de forma alguma poderiam perturbar a ordem social e familiar dos leitores da época, todos membros da nossa pacata e provinciana burguesia carioca.

Os primeiros romances são histórias simples, onde interesses conflitantes originam impasses: orgulho versus amor, ambição versus piedade e assim por diante. Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia - romances dessa primeira fase machadiana - são aparentemente inofensivos; prestam-se a uma leitura superficial, o passatempo preferido do públicos feminino daquela época.


O segredos das personagens:

O algo a mais, a pitada de tempero que Machado acrescenta à receita romântica é que ele já começa, desde então, a criar personagens de muita força e fazê-las viver as contradições da sociedade brasileira de seu tempo. É como se, desde o início de sua carreira de escritor, Machado se interessasse muito mais pelas razões sociais e particulares que levam as pessoas a agirem de uma certa maneira, do que pela ação propriamente dita.

Em seus romance iniciais, portanto, Machado desmascara o mundo cor-de-rosa sugerido pelo romance romântico, onde o casamento era cura para todos os males e fiador da ordem social. Ao contrário, Machado vê o casamento como uma espécie de comércio ou, pelo menos, uma troca de favores.

Decididamente, o romance e os contos de Machado, anteriores a 1880, escurecem os tons claros do romance romântico, sem vestir o rubro da denúncia realista. São romances cinzentos, de casinhos miúdos, como miúda e cinzenta era a vida brasileira na época.

Machado dos anos 80:

Nas obras que escreveu depois de 1880, Machado era outro, ou melhor, era o mesmo de antes, só que mais desenvolvido e maduro. Este Machado maduro passou a escrever para leitores também maduros. Como antes, as obras desta fase não arrastam seus leitores por aventuras emocionantes, não bisbilhotam a vida de pessoas ilustres, nem dão maior realce à vida sentimental das personagens. Na da disso. A partir de 1881, Machado continua a cuidar, em suas obras, de casinhos miúdos, aparentemente desimportantes, vividos por pessoas comuns. Mas algo diferente já há...

Estas pessoas comuns que encontramos nas primeiras folhas dos romances machadianos tornam-se absolutamente extraordinárias quando acabamos a leitura e fechamos o livro. O que as torna especiais e extraordinárias? A forma pela qual Machado as constrói: devagarzinho, na frente de nossos olhos, frisando um gesto, um jeito especial de falar, uma ação esboçada mas não concluída. Ao fim da leitura, vemos na personagem e sentimos nela também o homem brasileiro do Segundo Império e da Primeira República. A personagem machadiana é o homem  de sempre.


Radiografia de uma sociedade desenganada:

Criando suas personagens, Machado nada lhes perdoa: as mesquinharias pequenas e grandes; as indecisões; o oportunismo disfarçado; a falsa devoção; e a moral de fachada. Machado é implacável e irônico, não ocultando seu desencanto e, talvez, desencantando o leitor. Não com o livro, mas com a vida. 

Machado desnuda as falsas virtudes, os interesses escuros, a caridade ostensiva, tudo, enfim, que constitui o avesso de uma vida socialmente  digna e respeitável. Machado narra suas histórias, é cético quanto à sociedade brasileira e quanto à natureza humana.

Em resumo, a ironia com que Machado contempla o mundo de seus romances e contos desta segunda fase cumpre ainda outra função: é eficientíssima como postura literária, identificando um contador de casos que sabe tomar distância do que conta, e que sabe, também, manter o leitor a distância. Afinal, é necessário um certo afastamento do objeto para que se possa ter um ângulo de visão mais abrangente. Nada de envolvimentos, nada de parcialismos.

O Rio de Janeiro é o mundo:

As personagens de Machado são profundamente brasileiras, mas seus traços de brasilidade não se identificam aos traços que a tradição literária romântica nos ensinou a considerar brasileiros, como por exemplo o índio corajoso e exótico, ou o sertanejo folclórico e pitoresco. Não. A brasilidade de Machado de Assis evita falar de índios coloridos e tipos regionais.

A brasilidade de Machado consiste, assim, na fidelidade com que o romancista traz para seus romances todo o ambiente da sociedade urbana brasileira, miniaturizada nos salões e grupos humanos do Segundo Império e dos primeiros anos da República. Machado recria, em seus romances, o mundo carioca (e brasileiro) de uma sociedade arcaica, cujos hábitos antigos e cerimoniosos e cujas atividades convencionais dissimulavam, na boa educação e nos modos polidos, toda a violência de uma sociedade escravocrata, onde o apadrinhamento e o "jeitinho" brasileiro solucionavam, sempre que necessário, as situações geradas por uma estrutura social assentada nos privilégios e numa divisão desigual dos bens. 

Machado, em seus melhores momentos, reflete esta sociedade dura e desapiedada, preconceituosa quanto à cor e posição social, sem nenhuma tradição política - os dois primeiros partidos políticos daquela época, por exemplo, embora se chamassem Conservador e Liberal, cumpriam a mesma função: sustentar o regime, o governo, o Estado. Mesmo a República, a cuja proclamação assistimos em Esaú e Jacó e Memorial de Aires, é vista, aos olhos de Machado, como simples mudança de fachada, pois os alicerces do tempo do Império continuam os mesmos. Nesse sentido, Machado é profundamente  brasileiro, pois conta nas suas obras a verdadeira realidade, desmistificando nossa fama de povo democrático e não-violento.

OBRAS:

Romances: 

  • Ressurreição (1872)
  • A Mão e Luva (1874)
  • Helena (1876)
  • Iaiá Garcia (1878)
  • Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)
  • Quincas Borba (1891)
  • Dom Casmurro (1899)
  • Esaú e Jacó (1904)
  • Memorial de Aires (1908)
Contos: 
  • Contos Fluminenses (1869)
  • Histórias da Meia-Noite (1873)
  • Papeis Avulsos (1882)
  • Histórias sem Data (1884)
  • Várias Histórias (1896)



Fonte: Literatura comentada - Machado de Assis; editora Nova Cultural; Canal Instrução digital 

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